Publicado em 11 março de 2022
Inovações na produção de SAF tem implicações para Licenciamento Ambiental
O uso de combustíveis sustentáveis na aviação, produzidos por meio de energias renováveis, consolidou-se nos últimos anos como parte da busca global pela diminuição das emissões de gases de efeito estufa (GEEs). Diversos países, com o intuito de tornar realidade essa empreitada, passaram a pôr em prática estratégias políticas e tecnológicas a favor de uma aviação limpa. Nesse sentido, o projeto ProQR –Combustíveis Alternaivos sem Impactos Climáticos é uma inciativa fundada a partir da cooperação entre os governos da Alemanha e do Brasil, cujo objetivo é viabilizar a produção de Combustíveis Sustentáveis de Aviação (SAF, em inglês) no território brasileiro.
Atualmente, a aviação é responsável por cerca de 2,5% das emissões de GEEs em todo o mundo. Os SAFs são fundamentais na mudança desse quadro preocupante. Contudo, não basta que eles sejam produzidos e colocados no mercado, é necessário que essa produção ocorra de maneira a provocar o mínimo de impactos ambientais. Além do uso de energias renováveis, o ProQR defende a construção de plantas pequenas (modulares), próximas aos aeroportos, as quais produzirão o combustível já em seu local de consumo.
Comprometido com a viabilização dessa proposta disruptiva para produção e uso de SAF no Brasil com o menor impacto ambiental possível, o ProQR estabeleceu algumas pautas prioritárias, entre elas estratégias para o licenciamento ambiental. Isso porque esta é etapa imprescindível para empreendimentos de construção no Brasil, fazendo-se necessário analisar previamente a exequibilidade de projetos de plantas de produção de SAF que se adequem às exigências normativas, administrativas e legais dos órgãos licenciadores. Assim, em 2020, o ProQR promoveu o estudo “Avaliação Ambiental Preliminar para o Licenciamento de Plantas de Produção de Eletrocombustível Renovável de Aviação Próximas a Aeroportos Remotos no Brasil”.
Em 2021, o projeto ProQR realizou duas ações participativas com o objetivo de levar ao público as discussões propostas pelo estudo. O webinário “Licenciamento Ambiental para Plantas de Produção de SAF – Desafios e perspectivas” e duas edições de capacitação no tema contaram com mais de 50 participantes, entre eles técnicos em licenciamento ambiental e representantes do setor aeroportuário brasileiro, bem como entidades estatais licenciadoras. Os diálogos desenvolvidos entre essas três áreas distintas ajudaram a enriquecer o panorama para o futuro dos empreendimentos nessa área. Como resultado, as seguintes considerações foram apensadas ao relevante estudo de base.
SAF gera efeitos ambientais positivos
O estudo apresenta uma abordagem detalhada, porém não exaustiva, das questões mais relevantes e estratégicas para a discussão do licenciamento. Dessa forma, discorre sobre as vantagens e desvantagens, do ponto de vista ambiental, da produção e do uso de SAF no Brasil em comparação com os do querosene de aviação convencional. Os principais argumentos a favor do SAF estão baseados em sua contribuição para a descarbonização da aviação brasileira, pois os Combustíveis Sustentáveis de Aviação utilizam como principal matéria prima o CO2, têm sua produção baseada num processo eletrointensivo que utiliza exclusivamente energias renováveis (solar e/ou eólica) e não emitem compostos de enxofre em sua produção e consumo.
Outro dos pontos levantados no estudo é de que a abordagem do ProQR para produção de SAF de forma decentralizada é bastante relevante no contexto territorial brasileiro. Com a atual distribuição de aeródromos no Brasil, muitos deles em áreas remotas, dependem de outros modais de transporte para serem abastecidos, em especial o rodoviário. A instalação de plantas de SAF dentro do sítio aeroportuário tem o potencial de reduzir drasticamente a liberação de GEEs provenientes do combustível usado para movimentar os caminhões-tanque.
Além disso, o estudo analisa as etapas de produção de SAF propostas pelo ProQR e rastreia os possíveis benefícios técnicos e os impactos ambientais do projeto para, em seguida, fazer uma comparação com o combustível convencional. Para tal, descreve as rotas de produção de SAF e aponta os subprodutos, resíduos e efluentes que possam implicar impactos ao meio ambiente. Assim, tais aspectos poderão ser levados em consideração durante o planejamento dos projetos de plantas de SAF, de maneira a apresentar alternativas de gestão ou soluções no momento do licenciamento ambiental.
Legislação ampla de licenciamento ambiental requer um olhar no detalhe
O documento de base também apresenta a legislação que rege os procedimentos de licenciamento ambiental aplicáveis a plantas de produção de SAF. Não existe hoje no Brasil um aparato normativo com diretrizes específicas para plantas de Combustíveis Sustentáveis de Aviação. Nesse sentido, toda avaliação em níveis nacional, estadual ou distrital, é baseada na primeira Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) em 1986 e subsequentes, ou seja, em normas gerais voltadas para empreendimentos de infraestrutura, geração de energia e produção de combustíveis. Existem diferentes tipos de licença, porém, agentes de Licenciamento muitas vezes se veem confrontados com lacunas que requerem um engajamento especial para contextualizar a sua análise. No caso das plantas de SAF, as publicações do ProQR fornecem insumos relevantes.
No âmbito dos eventos do ProQR, os diálogos chegaram à conclusão favorável à aplicabilidade de um processo do “Licenciamento Ambiental Simplificado (LAS)”. Esse processo é aplicado a empreendimentos de pequeno porte e baixo potencial poluidor, categoria na qual a abordagem decentralizada e modular para SAF, especialmente em áreas remotas, geralmente se enquadra. Por outro lado, a depender da origem da matéria prima, da fonte de energia utilizada e dos resíduos potenciais da produção de SAF, pode-se considerar o licenciamento trifásico, que requer a elaboração de Estudo de Impacto Ambiental (EIA) como suporte à decisão em etapas, quais sejam: Licença Prévia (LP) e Licenças de Instalação (LI) e Operação (LO),
Com a finalidade de apoiar e consolidar o licenciamento para o caso específico das plantas decentralizadas de SAF, o estudo de base elabora várias diretrizes. Uma delas recomenda o detalhamento da instalação planejada para detectar efeitos ambientais relevantes nas indústrias relacionadas. Os diálogos nos eventos temáticos acima citados mostraram que nesse detalhamento a consideração de matérias primas diversas que podem integrar o ciclo de vida dos SAFs é fundamental. Por exemplo, o uso da biomassa ou dos denominados biocombustíveis líquidos e gasosos, como o etanol e o biogás/biometano, requer uma atenção maior durante o processo de licenciamento. Também nesse contexto, resultados do estudo do ProQR sobre o Potencial de Syngas nas indústrias brasileiras”, insumo imprescindível na produção dos combustíveis sintéticos, representa um acréscimo relevante ao estudo de base: A depender da origem da matéria prima, se resultante de atividades consideradas de alto potencial de impacto ambiental ou se o hidrogênio obtido de maneira que não o certifique como H2 verde, o licenciamento não poderá ser simplificado. Esta condição deverá ser analisada caso a caso e um licenciamento trifásico pode ser requerido.
Ressalte-se que a depender desse enquadramento pode haver um conflito conceitual, uma vez que os eletrocombustíveis (SAFs), por definição, devem ser produzidos a partir de energia renovável e/ou de CO2 capturado da atmosfera ou de processos industriais, sendo possível que o hidrogênio como fonte de calor e energia seja declarado como “verde” no processo. O arranjo desta cadeia produtiva influencia o processo posterior de certificação e declaração final do combustível como SAF.
Prática colaborativa entre os atores alivia processos de licenciamento
Nos eventos do ProQR, outras diretrizes expostas no estudo foram validadas pela comunidade técnico-científica, como um mapeamento ambiental referencial para os tomadores de decisão, que contemple aeroportos remotos, os ecossistemas nas regiões com potencial de SAF e os fluxos e atores de distribuição do QAV convencional. Além disso foi reforçada a proposta de se estabelecer um rito burocrático para o licenciamento simplificado, contando com um processo participativo dos agentes e tomadores de decisão, bem como de setores da sociedade civil envolvidos. Nisso, foi avaliada como desejável a complementação dos ritos normativos, burocráticos e legais em nível estadual (por Unidade da Federação), que tangenciam também às normas, restrições e regulamentações vigentes para os espaços aeroportuários. Em suma, o processo de licenciamento está imerso num campo interdisciplinar. A questão ambiental deve ser considerada de forma transversal no plano de negócio dessas plantas e deve direcionar um processo ágil e fundamentado. Pode-se esperar, assim, uma maior segurança jurídica ao processo burocrático sob responsabilidade das Unidades da Federação no Brasil.
Enquanto no Brasil os projetos de produção de SAF tornam-se progressivamente dinâmicos, a continuidade dos estudos e articulações sobre a viabilidade ambiental das plantas e a interface com os agentes responsáveis pelo licenciamento torna-se cada vez mais importante. O ProQR catalisa iniciativas que possam enriquecer e agilizar esse diálogo, a fim de continuar a apoiar a transição energética do país para uma matriz de transporte mais sustentável.
Ruth Barbosa e Lucas Freire contribuíram para este artigo.